ROTINAS? COMO, PARA QUÊ?

Quantos ashtags precisas de colocar no teu telemóvel, quantos post it’s precisas de colar no espelho da tua casa de banho, frigorífico e secretária, quantos mais lives, ted talks e blogs tens de seguir, quantos mais livros, blocos de notas e workshops tens de experienciar até te decidires Viver em verdade com aquilo que sabes ser verdade:

A Vida flui quando te responsabilizas por ela.

Somos desde muito cedo uma cadeia de acontecimentos e “puros acasos” como canta o Miguel Araújo na Balada Astral e mostra a nossa sequência de ADN. Está na hora de fazermos a nossa parte e deixar ao “acaso” aquilo que pertence ao tempo e espaço. 

  • Mas o que é isto de nos responsabilizarmos pela vida? 
  • Quem quer ser o capataz de si mesmo? 
  • Em pleno século XXI ainda acreditas que a disciplina prende? 

Não aprendeste nada com Jorge Palma quando afirma “a independência é uma besta que dá cabo do desejo e a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo”?

Em pleno século XXI, após uma pandemia global que privou a humanidade das suas rotinas atirando tanta gente para depressões profundas ainda acreditas que as rotinas são aborrecidas? Não aprendeste nada com o confinamento? 

Em pleno século XXI em que a tua vida é marcada pelo ritmo frenético de um relógio, que já não precisa de ti para trabalhar, numa escravidão sem limite espaço/temporal ainda acreditas que controlas ou és livre em alguma coisa na tua Vida?

Ter rotinas é ter um espaço de liderança e liberdade no planeamento e “execução” da própria vida. É assumir e cuidar de comportamentos que dependem exclusivamente de ti e não de outros, da tua motivação ou vontade. 

Ter rotinas é ter um plano, um foco, uma direcção, uma constante na agitação frenética de um mundo em constante mudança. 

Ter rotinas parece fácil. Parece que não temos porque não queremos mas a verdade é que estabelecer uma agenda diária que inclua tempo para parar e escutar é uma tarefa hérculea. Principalmente antes de se ter um conhecimento Ayurveda que te perceba como indivíduo e adequa as tuas rotinas às tuas idiossincrasias e necessidades.

Estabelecer um Dinacharya, que em sânscrito significa rotina/disciplina diária, implica ter cuidados diários com o corpo físico, mental e energético alinhados com o contexto social, sazonal e familiar estabelecido. 

Praticar todos os dias as rotinas que alimentam uma ecologia pessoal independentemente dos inúmeros eventos que nos parecem levar noutro caminho, requer perseverança, disciplina e amor. Independentemente dos anseios e dramas pessoais, a Vida flui em ciclos que se repetem eternamente, num ritmo sobre o qual não temos nenhum controle, mas que nos influencia. Quando entendemos como esses ciclos agem dentro de nós, podemos entrar nessa dança de uma forma mais harmoniosa. E com o tempo, vamos experienciando e observando por nós mesmos os benefícios de fluir nesse ritmo mais natural, do qual uma prática diária faz parte.

É importante lembrar que disciplina só combina com amor no tempo por isso há que respeitar o tempo necessário à integração da mudança. Ao contrário da maior parte das coisas que acontece neste “fast living”, a mudança de paradigma não acontece de um dia para o outro. Mudanças efectivas requerem tempo.

O truque é não focar no corte dos hábitos antigos, mas pensar em criar novos, que gerem mais espaço, luz e discernimento para depois abandonar o que não nos serve mais (como uma roupa apertada ou tão gasta que já não serve o seu propósito).

Apesar do Ayurveda ser exclusivo de cada Ser e cada momento existe uma lógica global nesta matemática Divina.

O Dinacharya, rotina diária, está totalmente integrada nos ciclos da natureza. Por exemplo, das 6h às 10h da manhã é a hora Kapha, que traz consigo as qualidades deste Dosha, que é pesado, lento, frio, suave e pegajoso.

Quando aumentamos esses atributos, dormindo, comendo alimentos frios e doces, como iogurte e pão, o que acontece é que os reforçamos, levando ao seu agravo e gerando desequilíbrios como sensação de peso, produção de muco ou náuseas.

A ideia de seguir o Dinacharya é exatamente equilibrar a tendência natural de cada fase do dia, para que nenhum Dosha se agrave.

Como fio condutor de uma rotina diária respeitando a ecologia pessoal o Ayurveda defende que devemos acordar com o nascer do sol, equilibrando a tendência Kapha dessa hora. A primeira coisa a fazer quando despertamos é agradecer. Parece simples, mas quantos dias efectivamente acordaste agradecendo a oportunidade que agora se inicia em detrimento de começar o dia pensando nos a fazer, nos problemas do dia anterior ou resistindo a acordar? Estamos vivos e não há nada melhor que isso. Um dia novo começa e com ele se acercam milhões de possibilidades de encontros, experiências, vivências e aprendizagens que não podemos imaginar, por muito previsível que nos pareça o quotidiano.

Quando nos levantamos, devemos começar nas tarefas de eliminação resultante do metabolismo da noite. Para isso a primeira coisa que deves fazer é tomar um desjejum liquido (água morna, sumo de aipo ou chá de gengibre) para hidratar o corpo, eliminar toxinas e despertar o Agni, o fogo digestivo. Depois um pouco de exercício (10-15m) e logo sentirás vontade de iniciar as eliminações matinais, essencial para começar o dia renovado lembrando de  deixar para trás tudo o que pertence ao dia anterior com um banho para purificar o corpo e mente.

Quanto aos horários de ingestão de alimento sólido, respeita a tua fome e não a tua vontade ou hábito de comer e come pouco de manhã, bem à hora de almoço e leve a partir do pôr do sol, lembra que o nosso Agni segue o ritmo do Sol.

Das 14h às 18h é o horário Vata, ótimo para trabalhos mentais e criativos. Das 18h às 22h volta o horário Kapha, e naturalmente um óptimo momento para uma prática espiritual como meditação ou namorar.

À noite, um jantar leve facilita o sono e o descanso, não devendo ser feito depois das 20h da noite. Também os sentidos devem ser nutridos com impressões leves. 

Como falamos anteriormente seria ideal a partir das 20h preparar corpo e mente para descansar, o que pode não ser exequível com as tuas rotinas, mas lembra-te que então também o acordar antes do nascer do sol se tornará desafiante. Facto inegável é que a partir das 22h é de novo o horário Pitta e se mantiveres os estímulos até essa hora, naturalmente vais aumentar atividade nervosa depois (daí muitos testemunhos de gente que diz não conseguir dormir à noite, por ser o período em que se sente mais ativo).

Das 2h às 6h é o horário Vata e não por acaso coincide com o horário em que a maior parte das pessoas que sofre de insónias relata que acorda e já não consegue voltar a dormir. Descanso e sono são necessidades tão importantes quanto a alimentação, por isso ter uma rotina que favorece boa qualidade de ambas é fundamental.

Acima de tudo relembra que estas não são regras fixas, mas sugestões que podes seguir, pôr à prova e experienciar. 

Yoga e Ayurveda não falam de regras mas sim da presença. Estar presente, atento àquilo que acontece com o corpo e a mente.

Aos poucos, vais-te sintonizar com um ritmo natural em vez de seguir apenas desejos e aversões de forma automática, romper padrões de comportamento instalados por anos. E através da observação, descobrir que entrar nessa dança é mais fácil do que aprender salsa, talvez menos divertido mas altamente compensador e um desafio constante, uma dança que não tem perfeição ou fim, um exercício de aceitação da inquestionável impermanência da Vida.

Lara Lima
Fundadora do método BMQ, formadora da AMAYUR
Formadora reconhecida pela YOGA ALLIANCE
Terapeuta Ayurveda Sénior
Professora Sénior de Yoga
Método BmQ

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